17 de abr. de 2013

[ENTREVISTA] Gustavo Barreto - Hidra Games

Por Arnaldo V. Carvalho

São Paulo, março de 2013

Em missão dupla para os Desbussolados e Ilha do Tabuleiro, estive na Funbox de São Paulo para conferir a loja. Clima familiar, presença de autores nacionais, moderadores da Ilha (Salve Alexandre AC!), e gamers para lá de fraternos, unidos sobre um espírito único que a Funbox consegue gerar*.

Arnie na partida de Aero contra o criador do jogo.
E lá estava nosso “Professor Aero”, o autor Gustavo Barreto, advogado de dia, pai e marido em tempo integral, game designer e jogador depois do expediente. Desafiei o criador desse fantástico abstrato brasileiro, e assim tomei uma bela surra, com toda honra. Talvez por pena ou simpatia deste pobre jogador, decidiu me mostrar a arte das cartas “mafiosas” que vêm por aí como abre-alas da inovadora safra de Cardgames que começa a ser lançada pela Hidra este ano. O queixo cai. A concepção, belíssima, é feita em pranchas maiores, e mereceriam ser expostas em alguma galeria de arte. A sensibilidade do Sr. Barreto e sua preocupação com cada aspecto do jogo, do visual ao acabamento, parece ser o forte. Não resisti a convida-lo uma entrevista rápida, cujos resultados estão aqui.







Desbussolados: O que faz um advogado lançar jogos?
Gustavo Barreto: Eu sempre gostei de jogos e me considero uma pessoa criativa. Criar jogos passou a ser um exercício de criatividade. Criar um jogo é em si um jogo. Há dedução, é estimulante, e no final das contas deixa uma contribuição para a humanidade.

DB: Como tudo começou?
GB: Comecei com um pequeno desafio, criar um jogo que utilizasse cartas de baralho e dados comuns de 6 faces ao mesmo tempo. Dados e cartas estão ligados a vários jogos, e há tantos séculos, mas nenhum reunia esses dois componentes. Então me propus a fazê-lo. Saíram dois jogos e as pessoas se interessaram. Isso foi há 9 anos e não parei desde então.


DB: Quando começou a curtir jogos de mesa?
GB: Aprendi xadrez com 6 anos. Gostava muito, participava de campeonatos, cheguei a representar a faculdade. Também cresci jogando tradicionais de cartas, em família. Na adolescência mesmo joguei RPG (comecei com Gurps, depois Storyteller, e depois vários outros). E até hoje mestro jogo, preferindo temáticas de terror e campanhas cinematográficas. Estou escrevendo um livro sobre isso e em breve vou disponibilizar em formato e-book, sobre técnicas que desenvolvi na maestria de RPG.

DB: E os Eurogames?
GB: Atualmente é o meu tipo de jogo predileto. Gosto muito do Caylus, do Agrícola, do Puerto Rico, do Dominium, do Race for the Galaxy, entre outros, mas também bons abstratos como o Hive.

DB: E os jogos mais pesados?
GB: Gosto dos pesados, mas não vejo mesa para Brass e outros há muito tempo. O Brass é muito bom.

DB: A família, joga junto?
GB: Meus filhos jogam, tenho um de onze e uma de nove.

DB: E jogam bem?
GB: Sim, muito, são bons, jogam muito bem Stone Age, Caylus, etc.

DB: Pela idade pensei que seriam jogadores de Catan.
GB: Bem eles começaram com Catan. No início tentei levar para eles jogos mais simples como Ticket to Ride, mas não se interessaram. Eles gostam e pegam bem jogos mais complexos. O Gabriel particularmente, além dos Euros, gosta muito de abstratos.

DB: E a esposa não, joga?
GB: Não.
DB: Por que as mulheres não jogam?
GB: Não sei mesmo. (Risadas).

DB: Você tem algum autor em quem se inspira especialmente?
GB: Kris Burm. Me inspirei na trilogia Gipf para formar a quadrilogia dos 4 elementos da Hidra.  Aliás, a série tem uma historia. A Hidra é um monstro grego com várias cabeças. Os gregos acreditavam que os 4 elementos continham a essência de tudo o que existia. Da mesma forma, os abstratos contem a essência pura de todos os outros jogos. A Hidra é um monstro grego e a gente queria um jogo com temática grega.

DB: Quando surgiu a ideia da Hidra?
GB: Já tinha criado alguns jogos que gostava muito, as pessoas se interessaram e gostaram bastante. Procurei empresas com a possibilidade de publicação e nenhuma delas me deu sequer resposta. Na época, a produção brasileira era sofrível, salvo raras exceções. Eram produções que por vezes prejudicavam a criação do autor. Sempre valorizei jogos bonitos, bem acabados, componentes bonitos e com arte de alto nível, e nenhuma empresa teria o carinho que eu gostaria .Então decidi montar a Hidra para ter exatamente esse carinho. Quando você pega um jogo da Hidra é o que você encontra. É mais caro de produzir, mas vale a pena.

DB: Quais são os próximos planos da Hidra Games?
GB: Vamos relançar a quadrilogia com uma qualidade ainda melhor, fazer as versões online dos abstratos, e publicar alguns cardgames, o primeiro será o Don Cappolo, com tema de máfia.
Além disso, estou preparando um livro sobre o Aero com estratégias. Enquanto escrevo ainda descubro coisas novas, na semana passada mesmo descobri um uso da argola branca que ainda não me havia ocorrido. Então pretendo lançar o livro, mas por mais que já tenha jogado centenas de vezes gostaria de cobrir melhor.

DB: Pode nos contar um pouco mais sobre o Dom Cappolo?
GB: Em Dom Cappolo os jogadores encarnam típicos mafiosos italianos em sua busca pelo poder. A mecânica está ótima, e conseguimos encontrar a artista certa para o jogo. Por essa combinação estamos muito confiantes de que será um sucesso. (nesse momento Gustavo saca um deck-protótipo e começa a comentar os vários detalhes sutis e geniais das ilustrações).

DB: Nossa, mas isso é mesmo impressionante (o entrevistador maravilhado). Dá para imaginar essas ilustrações em uma exposição de arte.
GB: Sim, é algo que temos vontade de fazer, merece.

DB: Como é encontrar o artista certo para cada projeto?
GB: Procuro entender qual o público alvo, a proposta de cada jogo, o tema, o que ele procura passar, que experiência ele procura promover, dentro disso que tipo de arte estaria relacionado ao conceito. Depois converso com amigos e pesquiso para encontrar ilustradores que tenham em seu portfólio algo que siga esse conceito. O artista precisa captar o espírito do jogo. Já fiz testes com alguns muito conhecidos, mas nem sempre ele é o que conseguiu expressar aquilo que observamos ser o jogo.

DB: E como é a contratação em si de um artista?
GB: Nós fechamos uma parceria. Atualmente, provemos uma remuneração para cada projeto que é orçado antecipadamente, e o artista também tem uma participação sobre as vendas.

DB: Crowdfunding (sistema de financiamento coletivo pela Internet) é uma possibilidade?
GB: Não excluo a possibilidade mas não gosto. A meu ver, quando eu coloco essa possibilidade, passa a haver uma chance do jogo não ser publicado. Quando eu tenho bom feedback sobre o jogo e encontro o artista certo, não admito que ele não seja publicado.

DB: E a distribuição?
GB: Quando você começa a criar um jogo para publicação, acha que o maior desafio é criar um tema que vão gostar; depois você acha que o problema é encontrar uma mecânica inovadora. Depois o equilíbrio certo, depois o ilustrador perfeito, e depois que você consegue isso o maior desafio é o fornecedor ser capaz de produzir com qualidade o que você desenvolveu. Finalmente, depois de tudo isso, é que você vê que até essa etapa é fácil. O maior desafio é a distribuição. Só recentemente encontramos o parceiro certo para viabilizar isso.

DB: E como será feita?
GB: Serão comercializados via internet, e eles serão expostos em alguns lugares específicos.

Vince Vader
DB: Qual foi o jogo da Hidra mais vendido  até agora?
GB: Foi o Yn.

DB: Contou o peso do autor?
GB: Há vários fatores; o autor [Vince Vader] é bem conhecido e relacionado no meio, e o jogo está muito bonito e atrativo, com componentes ótimos.

DB: Vocês pretendem participar de feiras e eventos em 2013?
GB: Já confirmamos nossa participação em alguns eventos esse ano. Temos uma proposta junto a Festcomix e eventos internos da Devir.

DB: A Hidra é viável? Ela já se paga?
GB: A Hidra está crescendo. Nossa primeira preocupação era fechar a coleção dos 4 elementos. Queremos que os revendedores captem esse conceito da coleção como um produto fechado, o que desperta mais atenção dos lojistas e público. Nossa meta a partir daí é ter um catálogo mais diversificado. Está tudo dentro de nossas expectativas.

DB: Há espaço paras novos autores?
GB: Há espaço. Sempre aceitamos análise de protótipos, convidamos autores para jogos de coleção, pois isso é a Hidra, várias cabeças mas um só coração.

DB: E como é a concorrência? Várias pequenas vêm publicando.
GB: As novas editoras, a meu ver, são nossos maiores aliados, porque ajudam a fazer as pessoas a jogarem jogos de tabuleiro de qualidade. Elas jogam e querem conhecer outros jogos.

DB: Há pretensões de trazer jogos de fora?
GB: Pelo contrário, um dos objetivos da Hidra é mostrar para o mundo que o Brasil tem jogos de qualidade. Queremos aumentar as exportações, não as importações.

DB: Pode deixar uma mensagem para os jogadores?
GB: Agradecer a todos os jogadores que compraram nossos jogos, e todos os que jogaram os jogos, se interessaram em conhecer e nos dar oportunidade de mostrar o trabalho. São vocês que fazem todo esse esforço fazer sentido. Aproveito e agradeço a você, Arnie, e a Ilha do Tabuleiro para a veiculação das ideias.

DB: Já no agradecimento, Gustavo me puxou num canto e falou com emoção:
GB: Uma vez vi um post seu na Ilha do Tabuleiro sobre os comentários do autor de um livro que dizia que você deveria criar jogos abstratos, porque quanto mais temático um jogo, mais rápido ele enjoa, ao passo que um jogo abstrato sobrevive por séculos. Naquele dia resolvi fazer um abstrato, que acabou recebendo o nome do Aero; e depois dele, tomei a grande decisão de formar a Hidra e publicá-lo como primeiro título. Se a coleção dos 4 elementos existe hoje, é devido àquele post. Às vezes você tem uma iniciativa, ou publica uma ideia e não tem noção de como ela vai repercutir no mundo. Continue postando, Arnie, porque tenho certeza que seus posts estão inspirando pessoas no mundo inteiro.


A emoção foi mútua. Como prenuncia a nossa entrevista, A Hidra já dá e ainda vai dar muito mais o que falar!




Bate-volta – Gustavo Barreto


1. Qual a sua idade?
 Tenho 33 anos.

2. Top 5 - melhores jogos na sua opinião: 
 Eles mudam com alguma frequência, mas por ora são estes:

1 – Caylus;
2- Puerto Rico
3- Gamão
4- Agricola
5-  Dominion - com expansões




3. Apelido de infância:  
"Gu"

4. Game designer "ídolo": 
Tenho mais de um, mas gostaria de citar o Kris Burm, o criador da série Gipf, o Garfield, Uwe Rosemberg e Donald Vacarino.



 
*A cobertura de minha visita a Funbox em breve no Desbussolados!


Arnaldo “Arnie” Carvalho, 37 anos, é terapeuta e boardgamer, criador do Niterói das Peças e agora se torna oficialmente nosso repórter lúdico, responsável pelas matérias especiais.

5 comentários:

  1. Grande Arnaldo... foi um prazer conhecê-lo nessa visita à FunBox... uma agradável coincidência de datas (pois tbm não sou de São Paulo)... nesse mesmo dia, conheci o Gustavo e pude notar o quão apaixonado ele é pelo que faz... o capricho com que toca a Hidra e seus projetos...
    Aguardo ansioso pelo retorno dos jogos baseados nos elementos e, enfim, o lançamento do Aqua em tabuleiro (pude conferi-lo em formato digital numa jogatina em Sampa)... :D
    Parabéns aos dois pela entrevista.
    Grande abraço e sucesso!

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  2. Legal mesmo Jaime! Não sabia que também não era de São Paulo. Estás mais que convidado a fazer mais uma viagenzinha e conhecer nossa Toca Desbussolada, eheheheh - o evento Arariboard aqui em Niterói. Mi casa su casa ok!

    Abraços,
    Arnaldo

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    1. Olá, tudo bem?


      Eu estou procurando o Gustavo Barreto há pouco mais de um ano e somente agora consegui localiza-lo, pois parece que ele não se encontra no facebook (pelo menos eu não o encontrei).

      Eu estou procurando há algum tempo um livro que foi publicado, entre 2005 e 2006, pelo Gustavo Barreto, mas não encontro esse livro para comprar em nenhum lugar. Então resolvi procurar pelo autor, mas até hoje não o havia encontrado. Então vi a entrevista publicada no site e acho que o Gustavo da entrevista é o autor do livro que eu estou procurando.

      Por isso estou entrando em contato com vocês. Gostaria de saber da possibilidade de vocês me informarem um email ou algo que eu possa entrar em contato com ele.

      Obrigado pela atenção.

      att. Rannyel

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    2. Fala Rannyel. Posso te passar o contato do Gustavo. Me passa seu email. Abs.

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  3. Gostaria do contato do Gustavo, tb....

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